O que Antônia, Raimunda, Giliarde e Nelson têm em comum? São brasileiros que vivem, desde o começo, o processo de implantação da Usina Hidrelétrica de Belo Monte, no rio Xingu, uma decisão do governo federal em seu plano energético. Elas enfrentam, junto com suas comunidades, até hoje, os efeitos socioambientais e econômicos que a instalação dessa mega obra está causando na região de Altamira, PA. É um histórico que tem repercussão internacional e capítulos de embates na justiça que continuam em curso, por meio de ações do Ministério Público Federal (MPF), suspensões de segurança a favor do empreendimento (com o argumento da obra ser de segurança nacional) e novas ações em favor das populações atingidas.
As narrativas dessas mulheres e homens se mesclam com as de autoridades e especialistas e tratam de histórias de impactos ambientais em modos de vida, na saúde, nas condições de saneamento, segurança e geração de renda de ribeirinhos, indígenas e pescadores locais. Essa mistura de fatos e sentimentos é descrita durante uma hora, no vídeo-documentário Belo Monte: depois da inundação, lançado, nesta semana, em Brasília, uma produção de Todd Southgate, do International Rivers e da Amazon Watch, com narração de Marcos Palmeira. A presença desses protagonistas “ao vivo” possibilitou a releitura de suas próprias falas, com uma carga emocional a mais que contagiou o público presente.
“Lutamos por reparação. Hoje em Altamira, a população sofre com a falta de água (potável) para viver e a violência aumentou, com drogas, assassinatos e se desencadeou um processo de doenças nas mulheres. Quase duas mil famílias ribeirinhas foram ‘jogadas’ em qualquer lugar distante do rio”, disse Antônia Melo, da coordenação do Movimento Xingu Vivo para Sempre.
Para este enfrentamento, recentemente foi criado o Conselho de Ribeirinhos, como destaca Raimunda Gomes da Silva, que também integra o grupo e o Coletivo de Mulheres de Altamira. “Eu e minha família levamos 15 anos para construir nossa casa na região e levaram tão pouco tempo para destruí-la. Já tínhamos passado pela experiência de ter sido despejados de Tucuruí (outra usina hidrelétrica no PA)”, conta.
A falta de contrapartida da Norte Energia, empresa responsável pelo empreendimento, em componente do Projeto Básico Ambiental Indígena (PBAI), é citada pelo cacique Giliarde Juruna. “Nossa aldeia não tem sequer o banheiro que ficou de ser feito e hoje o peixe curimatá sobrevive porque come lodo (se referindo ao assoreamento)”, desabafou.
Felício Pontes Júnior, procurador regional da República em Brasília, presente no evento, critica no processo de Belo Monte, o desrespeito à Convenção da Organização Internacional do Trabalho (OIT) 169, entre outras legislações, que garantem a consulta prévia destas populações atingidas. Segundo ele, o mesmo está ocorrendo com os licenciamentos ambientais na bacia do Teles Pires, em Mato Grosso, que integra a Bacia do Tapajós e envolve os estados do Amazonas e Pará.
O Complexo
Esta situação, com um histórico mais recente envolvendo a UHE Teles Pires e outras hidrelétricas em curso, também se tornou tema do vídeo-documentário O Complexo, produzido este ano, com roteiro de João Andrade, coordenador de Redes Socioambientais do Instituto Centro de Vida (ICV) e de Thiago Foresti, em parceria com o Fórum Teles Pires, e apoio do ICV e do International Rivers – Brasil.
O procurador, acadêmicos, outros especialistas e atingidos (assentados, indígenas e ribeirinhos) são ouvidos neste filme de 30 minutos. O documentário revela os vícios do licenciamento, dos estudos ambientais e das compensações das obras mais caras do Brasil. O complexo reúne quatro grandes usinas hidrelétricas.
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