O Guia socioambiental da imprensa: povos e comunidades tradicionais (indígenas, quilombolas e extrativistas) é uma publicação da Operação Amazônia Nativa destinada a imprensa e traz informações essenciais na hora da produção de pautas e reportagens sobre três populações tradicionais. O livro aborda aspectos mais gerais dos indígenas, quilombolas e extrativistas, como pontos da legislação e as narrativas em disputa. Além disso, aprofunda o contexto destas populações no estado de Mato Grosso, trazendo dados locais e indicações de fontes a serem consultadas.
Apresentação
Andreia Fanzeres, jornalista e coordenadora do Programa de Direitos Indígenas da OPAN.
Nos últimos anos, o Brasil vem quebrando recordes relacionados a dimensão de suas tragédias socioambientais. O rompimento das barragens de Mariana e Brumadinho, o primeiro contaminando uma bacia hidrográfica inteira e o segundo matando mais de duas centenas de pessoas, o misterioso derramamento de óleo que atingiu todos os estados do Nordeste e, finalmente, os incêndios florestais que fizeram a Amazônia arder como nunca levaram a população às ruas em protesto. Será que tudo isso fez aumentar a consciência ambiental ou provocou alguma mudança no modo de noticiar na imprensa?
Desde os primórdios do jornalismo ambiental discutem-se estratégias a fim de que o meio ambiente obtenha espaço e tratamento mais privilegiados diante da opinião pública, acostumada a ser tocada por este tema justamente nos casos dramáticos de catástrofes. Tem sido necessário mais do que uma vasta produção acadêmica para compreender esse fenômeno. A garantia da presença de narrativas mais sistêmicas e regulares sobre o meio ambiente nas matérias do cotidiano, afinal de contas, aprimoraria a qualidade da informação para o cidadão.
Como contribuição a esse processo, o “Guia socioambiental da imprensa: povos e comunidades tradicionais”, uma publicação da Operação Amazônia Nativa (OPAN) produzida pelo Projeto Berço das Águas, patrocinado pelo Programa Petrobras Socioambiental e pelo governo federal, nasce com a intenção de fornecer aos formadores de opinião mato-grossenses maiores referências e fontes de pesquisa envolvendo povos indígenas e comunidades tradicionais. O objetivo é ampliar as possibilidades de cobertura de pautas socioambientais situando, em particular, a presença, a importância e o papel desses grupos sociais como essenciais ao trabalho jornalístico, ainda mais em Mato Grosso.
Como veremos ao longo desta publicação, a necessidade de uma abordagem mais complexa às reportagens – ainda mais nos tempos da efemeridade das redes sociais – não é uma demanda exclusiva das pautas socioambientais, mas uma responsabilidade do próprio jornalismo. É o que o diferencia do Whatsapp, conforme argumenta Herton Escobar, repórter especializado em ciência e meio ambiente e que por quase 20 anos trabalhou em O Estado de São Paulo. Em artigo publicado em novembro de 2019 no portal Comciência, a respeito do compromisso de “ouvir os dois lados”, ele discute que “o papel do jornalista não deve se resumir ao de um reprodutor de declarações sem qualquer tipo de triagem ou checagem da veracidade – ou, pelo menos, da plausabilidade – daquilo que está sendo dito” e arremata que “dar voz à mentira não é imparcialidade, é irresponsabilidade (1)”.
Nesse sentido, pensar e representar o estado de Mato Grosso como potência econômica para a infraestrutura e o agronegócio enquanto premissa para as abordagens jornalísticas pode até ser uma escolha editorial. Passa a ser um equívoco, entretanto, manter na invisibilidade todo o peso histórico, cultural e ambiental que as comunidades tradicionais e os povos indígenas trazem ao caldo social mato-grossense. Conhecê-los melhor e tratá-los como sujeitos muda completamente a perspectiva de qualquer reportagem.
Alguns dos elementos que costumeiramente ficam de fora das matérias podem ser acessados a partir de um processo contínuo de aproximação direta com esses sujeitos e também com pessoas e organizações representativas, governamentais e não governamentais, que atuam junto às populações tradicionais.
Reconhece-se, hoje, que eles são pouco procurados ou lembrados durante o processo de produção de notícias. Logicamente, não se pode comparar a estrutura e a influência das assessorias de comunicação do governo estadual, das federações setoriais e das grandes empresas ligadas ao agronegócio presentes e pautando diuturnamente as redações regionais. Para além do direcionamento ideológico e editorial que exista, ainda faltam esforços que efetivamente tirem as comunidades tradicionais e os povos indígenas do lugar de objetos e empecilhos ao desenvolvimento, conferindo-lhes condições dignas de participação e protagonismo também nas páginas dos jornais, revistas, podcasts e outros espaços midiáticos.
Para contribuir nessa direção, este guia resgata o socioambiental como uma ideia importante para o olhar jornalístico e dedica espaço para três diferentes povos e comunidades tradicionais importantes em Mato Grosso: indígenas, quilombolas e extrativistas. Cada um deles é representado em um capítulo, que, por sua vez, está dividido nas seguintes seções: situando a pauta, que contextualiza os atores; marcos legais, com pinceladas sobre a legislação referente ao tema; observatório da imprensa, um diálogo com a cobertura midiática e com as disputas de narrativas
em jogo; boas práticas, que aponta reportagens inspiradoras; desconfundindo, que apresenta conceitos e expressões específicas; e, por fim, o calendário de pautas, sublinhando datas importantes.
Queremos convidá-lo a um mergulho nesse processo dinâmico e vivo. Nas próximas páginas, você vai se deparar com dicas, revisão histórica, cuidados e implicações de determinados termos e simplificações corriqueiras, políticas públicas e fontes relacionadas aos povos e comunidades tradicionais num cardápio de informações que pretende ser apenas um aperitivo. O prato principal quem vai elaborar é você.
(1) http://www.comciencia.br/jornalismo-fracassa-quando-ouve-todos-os-lados-sem-ressalvas-nem-contextualizacoes/