Rikbaktsa e moradores de Fontanillas, às margens do rio Juruena, reivindicam direito de serem consultados desde a fase de inventários hidrelétricos.
Juína, MT – Moradores do distrito de Fontanillas e indígenas do povo Rikbaktsa elaboraram uma carta reivindicando o direito de consulta diante da instalação de empreendimentos hidrelétricos no rio Juruena. Eles estiveram reunidos em uma oficina de formação no final do mês de março de 2016 oferecida pela Rede Juruena Vivo e demonstraram mais do que indignação por não estarem participando de processos que podem interferir drasticamente em suas vidas. Eles recuperaram a esperança, que já estava sendo perdida.
“A história que chegava até aqui era a de que não tinha mais nada que a gente pudesse fazer, que a qualquer momento a usina ia chegar e que o que resta para nós é negociar a compensação”, disse Maria do Socorro Costa, moradora de Fontanillas, a 60 quilômetros da cidade de Juína. “Gostei das informações. É um direito nosso, temos que nos informar”, disse Rafael Tsakdk, do povo Rikbaktsa.
A partir das principais dúvidas apresentadas pelos indígenas e moradores de Fontanillas, foi possível perceber que havia no local um clima de “fato consumado”. “Eu sou nascida aqui, tenho uma vida neste lugar. Quero saber se vai ter usina e como podemos nos defender”, disse Maria Aparecida Trajano Freire. De acordo com dados da Aneel, com exceção da usina hidrelétrica de Castanheira (140 MW) prevista para o rio Arinos e que se encontra na fase final de elaboração do Estudo de Impacto Ambiental (EIA), as usinas projetadas para a região do Médio Juruena não iniciaram o processo de licenciamento. Mesmo assim, a presença de empreendedores e pesquisadores na região nos últimos anos – sem que as pessoas tenham sido devidamente informadas – gerou boatos que têm preocupado, e muito, tanto indígenas como moradores do distrito.
Um levantamento feito pela Operação Amazônia Nativa (OPAN), Instituto Centro de Vida (ICV) e International Rivers mapeou 102 hidrelétricas na bacia do Juruena, entre planejadas, em construção e em operação. Cerca de 85% delas localizam-se em rios que fazem divisa ou atravessam unidades de conservação e terras indígenas.
Durante a oficina da Rede Juruena Vivo, foram discutidos temas como as fases de inventário e licenciamento ambiental de empreendimentos hidrelétricos, a percepção de indígenas e moradores do distrito quanto ao que consideram impactos positivos e negativos e, principalmente, o direito à consulta de forma livre, prévia e informada. Os participantes decidiram, por unanimidade, elaborar uma carta externando seus medos e exigindo respeito durante a construção de qualquer projeto que venha a influenciar seu modo de vida.
“É possível fazer algo se a gente somar. Vamos preparar nossos olhos, nosso discurso. Este é o Núcleo Olhos d’Água da Rede Juruena Vivo. Nós conhecemos a nossa casa e temos que defendê-la”, diz a professora Elani dos Anjos Lobato, presidente da Associação de Moradores de Fontanillas.
Carta de Fontanillas
“ Nossos medos e descontentamentos: Nossa preocupação.
Nós das comunidades de Fontanillas, distrito de Juína, e a comunidade indígena Rikbaktsa, localizados às margens do rio Juruena, entendemos que não fomos consultados em relação à construção das usinas hidrelétricas na bacia do Juruena.
Compreendemos que tudo que temos está aqui. Sejam os povos que sempre viveram, sejam nós que viemos de vários lugares do Brasil e a muitos custos aprendemos a amar o Juruena e dele tirar o peixe, a água para beber, para a nossa higiene e dele até fazer o nosso lazer.
Vimos neste lugar um local rico tanto no aspecto da flora, como de fauna local. Nossa saúde, vida e sobrevivência dependem deste rio e de tudo que ele representa.
Ainda que haja a possibilidade de indenizações e compensações, nada, absolutamente nada pagará o que temos por aqui.
Faz muito tempo que escutamos que esta parte da Amazônia irá se acabar pela construção das usinas, contudo ninguém nunca veio nos consultar se queremos que isto ocorra ou não!
Fala-se em nome de um progresso que trará empregos temporários, que o lugar poderá no tempo da construção desenvolver, mas tememos o depois: a violência gerada pelo aumento da população, muitos filhos sem pais, gerando famílias desestruturadas, desemprego em massa, porque a mão de obra que fica não são dos que aqui moram.
O que temos é só especulação, dizem que não irá alagar, mas até agora ninguém veio explicar como isso se dará.
Assim, afirmamos que sem conhecer o que de fato nos atingirá, defendemos nosso direito de rejeitar esses empreendimentos, pois estamos às escuras, nada sabemos porque não fomos esclarecidos nem consultados e sabendo que nas audiências públicas tudo já vem feito e pouco poderemos fazer.
Portanto, exigimos que tudo, absolutamente tudo que envolva a instalação desses empreendimentos sejamos consultados desde os primeiros estudos, até a fase final. Queremos conhecer os rostos daqueles que querem tirar de nós as nossas vidas, o nosso lugar, pois sabemos que nada pagará o nosso prejuízo, a perda de nossa história, a dispersão dos nossos costumes e a riqueza natural do nosso lugar, do nosso chão.
Fontanillas, 24 de março de 2016”