Evento paralelo na COP28 valoriza iniciativas locais na construção e utilização de instrumentos de gestão territorial e defesa de direitos.
Por Andreia Fanzeres/OPAN
Dubai, Emirados Árabes Unidos – Cumprindo com seu compromisso de levar para a COP28 a visão de futuro construída pelos povos indígenas de Roraima, parentes e parceiros, Sineia Wapichana e a equipe do Conselho Indígena de Roraima (CIR) abriram nesta segunda-feira, 4 de dezembro, o longo tecido com desenhos e mensagens dos territórios, feitas durante o intercâmbio de experiências locais sobre mudanças climáticas, realizado na Terra Indígena Raposa Serra do Sol, em outubro de 2023. Foi durante o evento paralelo intitulado “No território: usando a gestão da terra e os direitos indígenas para enfrentar as mudanças climáticas no Brasil”, moderado pela Operação Amazônia Nativa (OPAN) e pela Rede de Cooperação Amazônica (RCA), com o apoio de diversas organizações indígenas da Amazônia e da Rede Juruena Vivo.
No evento, foram levantados casos relevantes sobre como planos de vida, de gestão territorial, de enfrentamento de mudanças climáticas, protocolos de consulta, e fundos indígenas têm sido utilizados para garantir o bem-viver das comunidades e, consequentemente, o equilíbrio climático no Brasil. “Implementar os planos de vida é implementar sonhos. Quanto custa fazer isso? O que é mensurável e o que não é?”, questionou Sineia, coordenadora nacional do Comitê Indígena de Mudanças Climáticas (CIMC).
Exemplos sobre os desafios para que instrumentos sejam feitos e saiam do papel foram ressaltados nas falas de Luene Karipuna, da Associação de Mulheres Indígenas de Mutirão (AMIM), do Amapá, no contexto das pressões para exploração de petróleo na foz do rio Amazonas. Segundo ela, já há bastante especulação e podem ser percebidos impactos concretos na saúde e nas sociedades indígenas. Pioneiros na elaboração dos primeiros protocolos de consulta e planos de vida, os povos do Amapá lutam para fazer valer o direito de veto a projetos grandiosos e perigosos ao meio ambiente e à cultura das comunidades num momento em que as mudanças climáticas já vêm agravando sua vulnerabilidade. “Meu povo está sem comer farinha de mandioca há dois anos, sem fazer biju, tacacá tradicional. Temos que ter poder sobre nossas vidas”, clamou.
Na mesma linha, Marta Tipuici, do povo Manoki, abordou as pressões dos cerca de 180 empreendimentos hidrelétricos na bacia do rio Juruena, em Mato Grosso, sobre os territórios indígenas, destacando que as pequenas usinas agem sem transparência, sem estudos robustos e violando o protocolo de consulta e o plano de gestão territorial de seu povo. “Não vemos motivos para mais construção de hidrelétricas para geração de energia que vai beneficiar as mesmas pessoas e causar prejuízos ao nosso bem-viver”, apontou Marta Tipuici. Na fala de Ianukula Kaiabi Suiá, presidente da Associação Terra Indígena Xingu (ATIX), foi ressaltado um amplo processo em curso de consulta aos povos do Xingu sobre a Ferrovia Integração Centro Oeste (FICO) e a BR 242. Como completou Kleber Karipuna, os protocolos só conseguem ser implementados na base de muita pressão sobre os governos.
Outra experiência inspiradora é o Fundo Indígena do rio Negro (FIRN), apresentado por sua coordenadora, Josimara Baré, criado pela Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro (FOIRN) para implementar os planos de gestão dos indígenas da região. Segundo ela, o primeiro edital, de 2021, resultou no apoio direto de quase um milhão de reais a 15 projetos, sendo cinco de cultura, três de segurança alimentar e sete de economia sustentável indígena, beneficiando mais de oito mil indígenas. “Apoiar os projetos de bem-viver é lutar contra as mudanças climáticas porque somos nós os guardiões da floresta”, disse Josimara. Para Sineia Wapichana, na discussão sobre financiamento climático e acesso direto de recursos aos povos indígenas, uma das mais importantes atualmente, esta é uma experiência promissora. “Acredito que os fundos indígenas são a solução para a resposta rápida que os povos indígenas necessitam para lidar com os efeitos das mudanças do clima nos territórios”, falou Sineia Wapichana.
De acordo com Patrícia Zuppi, da RCA, que vem apoiando desde 2017 representantes indígenas das organizações de base da rede nos processos de incidência internacional sobre clima, essas experiências associadas à Política Nacional de Gestão Ambiental e Territorial de Terras Indígenas (PNGATI) precisam ser valorizadas para que seus resultados possam influenciar as negociações. “Nosso esforço tem sido de apoiar os povos indígenas nesses espaços para que assumam seu lugar de protagonismo, tanto fora, como dentro das instâncias de decisão oficiais da Convenção do Clima por meio do trabalho de articulação e capacitação principalmente”, comenta Patrícia. Além disso, este é um trabalho contínuo e que com a COP30 poderá ter alcances ainda mais amplos. “O processo de incidência em clima passa pelo fortalecimento de instâncias nacionais, especialmente agora que está sendo retomada a Câmara Técnica de Mudanças Climáticas do Comitê Gestor da PNGATI e o CIMC”, lembra.
“A maior estratégia de combater as mudanças climáticas é garantir a demarcação de terras indígenas, assim como da agenda de criação de unidades de conservação e proteção dos territórios. Efetivar as políticas públicas para os povos indígenas é a principal solução para o enfrentamento da crise climática como um todo e essa discussão está totalmente conectada com a PNGATI”, considera Kleber Karipuna, da APIB.
A discussão “No território: usando a gestão da terra e os direitos indígenas para enfrentar as mudanças climáticas no Brasil” foi uma realização do Conselho Indígena de Roraima (CIR), da Associação Terra Indígena Xingu (ATIX), da Associação de Mulheres Indígenas de Mutirão (AMIM), da Rede Juruena Vivo e da Federação dos Povos Indígenas do Rio Negro (FOIRN), com organização da Operação Amazônia Nativa (OPAN) e Rede de Cooperação Amazônica (RCA), apoio da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB) e Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (COIAB).