Importante para a formação da bacia hidrográfica amazônica e para a regulação climática mundial, Juruena é festejado neste 15 de agosto com campanha informativa.
A sub-bacia hidrográfica do Juruena, no noroeste do estado de Mato Grosso, é um dos berços das águas da bacia amazônica. Ela ocupa uma área de 19,1 milhões de hectares e seu principal rio, o Juruena, possui 1.080 km de extensão. Embora pouco conhecido no cenário nacional, ele está presente no imaginário matogrossense. Neste ano, diferentes povos indígenas, agricultores, pescadores e ribeirinhos decidiram comemorar o Dia do Rio Juruena.
“Esta ideia surgiu inspirada nos movimentos populares do rio Paraguai, quando no Fórum Mundial da Água em 2018 fizemos uma roda de conversa para falar sobre as estratégias de defesa e proteção das bacias hidrográficas”, conta Liliane Xavier, integrante da Rede Juruena Vivo. A rede é um coletivo em defesa da bacia do Juruena e busca fomentar a participação da população na gestão ambiental e de recursos hídricos da região.
A data escolhida foi o dia 15 de agosto, temporada de praia, de florada dos ipês na região e época em que há facilidade de tráfego e possibilidade de reunir os participantes na beira do rio. Por conta da pandemia, a Rede Juruena decidiu focar na celebração da data via ações de comunicação. Uma campanha informativa sobre o rio e seus afluentes, que acontece via Whatsapp e na página no Facebook da rede, traz moradores para falar sobre a vida na região e dados sobre a bacia. O objetivo é “chamar a atenção para a importância desta bacia no seu estado de integridade atual e dos povos como um todo para a sua proteção”, explica Liliane Xavier.
As belezas do Juruena
A região possui um enorme potencial para o turismo de natureza, assim como outras partes do estado de Mato Grosso, que é procurado internacionalmente para atividades deste fim. As florestas do juruena possuem pássaros em extinção, como a arara-azul e outros como o gavião real que já atraem interessados em observação de aves.
Os rios da bacia também possuem uma diversidade de peixes, sendo o Arinos o seu maior destaque para a pesca. Existem também interessantes experiências produtivas que preservam a floresta em pé, como a Associação de Coletores de Castanha-do-Brasil do Projeto de Assentamento Juruena (ACCPAJ), situada em Cotriguaçu; e a Associação de Mulheres Andorinha do Canamã (AMAC), que beneficia a oleaginosa produzindo biscoitos, macarrão e outros produtos, comercializados no município de Juruena e seu entorno.
Na bacia do Juruena vivem também, ao menos, 10 etnias indígenas, com diferentes culturas, idiomas e relações com o ambiente. “O juruena para estes povos é morada, é beleza, é local de rito de passagem, é meio de transporte, é onde eles se banham diariamente, onde eles pegam água para beber, é fonte de alimento. Para os povos do juruena, a pesca também é uma relação muito profunda”, explica Juliana Almeida, antropóloga que escreveu o livro Paisagens Ancestrais do Juruena. Lançado em 2019 pela Operação Amazônia Nativa, a publicação traz paisagens, como a Ponte de Pedra, que é a origem da humanidade dos povos Haliti Paresi e Enawenê Nawê e o Salto Itu’u, onde vive um pajé da etnia Kayabi que faleceu nos anos 60 e que se tornou uma espécie de guardião da localidade.
Ameaças à bacia do Juruena
Segundo um levantamento realizado pela Operação Amazônia Nativa em 2019, existem 96 empreendimentos energéticos em fase de planejamento para a bacia do Juruena. Somado com outros 32 que estão em operação e 10 em construção, estas 138 usinas colocam em ameaça a diversidade ambiental e cultural da região. A enorme quantidade de hidrelétricas planejadas para a bacia hidrográfica não leva em consideração os impactos cumulativos para as populações locais que vivem dos rios.
Para se ter uma ideia dessas consequências, um bom exemplo é a hidrelétrica Bocaiúva. Construída no rio Cravari, município de Brasnorte e a 30 km da Terra Indígena Manoki. O Cravari deságua no rio do Sangue, que é afluente do Juruena. Além de ser um curso d’ água importante para a bacia como um todo, é extremamente necessário à subsistência e às práticas culturais Manoki.
Hoje, os indígenas lamentam os efeitos do empreendimento, principalmente no que diz respeito a redução da quantidade de peixes. “É ali que a gente tira o nosso alimento, através da pesca. Infelizmente, desde 2010, quando é implantada a hidrelétrica de Bocaiúva diminuiu muito os peixes que existiam. Hoje a comunidade que faz a prática da pesca e do mergulho tem que ir mais de 80 km distante da aldeia para tirar alimento. Antes a gente andava 7 km da aldeia até o rio”, relata Tipuici Manoki, integrante da Rede Juruena Vivo e afetada pela usina.
Veja o vídeo sobre a mascreação tradicional do povo Manoki.
Para além do impacto na vida dos povos indígenas, a construção massiva dos empreendimentos hidrelétricos, junto com o desmatamento e os impactos que eles implicam, coloca em risco as condições climáticas globais. O livro “Juruena: carbono e serviços ambientais nas terras indígenas”, publicado em 2020, mostra que as 21 terras indígenas existentes na bacia do Juruena são fundamentais para a regulação do clima. Ao preservar as vegetações nativas, elas estocam carbono e contribuem para a dinâmica do regime de chuvas.
“Os resultados das análises das imagens de satélite mostram que em 2001 a temperatura média da sub-bacia era de 30,1°C e nas terras indígenas ela era de 29,7 ºC, ou seja, a temperatura era quase meio grau mais alta nos locais fora das terras indígenas. Já no ano de 2017, foi registrado que na sub-bacia do Juruena a temperatura média era de 31,1 °C e nas terras indígenas era de 29,9 °C”, demonstra um trecho da publicação. O que significa que ao longo de 17 anos houve acréscimo de temperatura dentro e fora das terras indígenas na região do Juruena, mas fora dos territórios indígenas o aumento foi maior.